A Madeira precisa de captar investimento nas áreas ambiental e tecnológica. Em entrevista ao JM, o bastonário da Ordem dos Economistas alerta também para os perigos da inflação e apela à redução da despesa pública total corrente e da carga fiscal.

Inflação, crise energética e recursos humanos. São muitos os desafios que se colocam atualmente às empresas. Começando pela falta de mão de obra, como se resolve este problema?

A falta de mão de obra é um tema recorrente em Portugal. Tenho percorrido as cidades todas do País no âmbito das minhas funções enquanto bastonário e, em todas elas, o primeiro assunto que me colocam é a falta de mão de obra.

Depois, colocam-me a questão da falta de habitação porque, mesmo que recrutem pessoas fora, não têm onde as colocar porque têm certas dificuldades, mesmo ao nível de preço, para atrair trabalhadores que residam nessas áreas. Outra questão que também se coloca muito no País é a da mobilidade. Como trazer pessoas que são contratadas para trabalhar e não podem residir nas cidades onde vão trabalhar.


O que é que pode ser feito para ‘segurar’ os trabalhadores?

Em primeiro lugar, é preciso valorizar cada vez mais a formação e a qualificação das pessoas que entram neste setor que é exigente porque serve pessoas de vários segmentos e origens e que esperam o melhor serviço.

Depois, teremos de fazer o que já fazem muitas regiões no mundo, até muito semelhantes à Madeira, que é recrutar pessoal externo que tem formação e que vem prestar um serviço adequado a essas funções. Portanto, entre estas soluções e o aumento previsível de turismo para este destino, tem que haver uma decisão de quem gere as unidades hoteleiras e que está interessado em manter a satisfação dos visitantes.

O aumento dos salários é uma solução?

Claro. Para se criar uma sociedade sustentável, é preciso que haja o objetivo de se criar empregos melhor remunerados. Em Portugal, os salários ainda são baixos, a carga fiscal é elevada e o facto de os salários médios e mínimos estarem muito próximos leva a uma certa desmotivação.

Quem entra em determinado setor, quer saber qual é a sua evolução de carreira e tem de haver, portanto, uma resposta completamente diferente daquela que há hoje - que é um bocadinho casuística - e que poderá levar muitos trabalhadores a procurarem outros destinos para trabalhar.


A redução da carga fiscal poderia suportar esses aumentos?

A carga fiscal tem efetivamente que ser repensada. Compreendo que há uma fase em que é necessário haver um volume de impostos para cobrir as despesas públicas que são grandes num País relativamente dividido entre o continente e duas regiões autónomas. Mas, de qualquer modo, terá que haver, eu diria, um esforço duplo, para se diminuir a despesa pública total corrente - que tem vindo a crescer cada vez mais - e diminuir a carga fiscal sobre as empresas e as famílias.

Se não for um processo simultâneo, o que for melhorado num lado pode não ser sentido no outro. E como estamos a falar da necessidade de mão de obra, de pessoas com qualificação e de serviços muito bem petrechados para responder de forma otimizada, temos de pensar nestas soluções.


Concorda que os apoios e subsídios à emergência social possam estar também a contribuir para escassez de recursos?

Penso que tudo tem de ser equacionado. É preciso pensar em como é que podemos manter o Estado Social sem exageros e com um bom controle e como podemos dar oportunidades a quem acaba os seus estudos e que espera uma carreira e uma evolução dessa carreira, que não lhes deve ser negada, até para não perdemos essa mão de obra formada ao longo de muitos anos e que é uma pena não ser aplicada no nosso País.


Em fevereiro, alertou para o facto de os apoios não estarem a chegar às empresas em tempo útil. Teme que aconteça o mesmo com o PRR?

Espero que não. Acho o PRR - que não soluciona todos os problemas, mas é importante pelo volume de fundos europeus que vão permitir melhorar aspetos infraestruturais, de trabalho e de desenvolvimento do setor empresarial – está bastante vigiado e controlado, quer através da União europeia, quer através de Portugal. Por outro lado, há um limite de calendário para a aplicação dos fundos, portanto espero que seja feito no prazo previsto e que quando chegar ao término tenhamos um Portugal mais desenvolvido, com mais condições para ser mais produtivo e competitivo face à economia global, do mundo, mas sobretudo da União Europeia.


O chumbo ao Orçamento de Estado é mais um problema para a economia?

Não acho que seja um grande problema o Orçamento ter sido chumbado, embora seja algo de inovador. Não passou, mas a economia continua a fluir normalmente e o que é preciso agora é que preparemos com profissionalismo as eleições que vão acontecer no final de janeiro e motivar as pessoas para haver menos abstenção.

Quem está a concorrer às eleições deve expor muito claramente ao eleitorado o que pretende e que programa quer seguir. Depois das eleições, lá teremos o orçamento um pouco mais tarde, mas de qualquer modo tudo flui na economia, não da maneira ideal, mas da possível, através dos duodécimos que são aplicados em relação ao exercício anterior. É esperar pela primavera para o novo orçamento.


Quais, na sua opinião, os desafios mais prementes para as empresas regionais?

Acho que as empresas têm que ser cada vez mais competitivas, têm de ter cada vez mais capacidade de se capitalizarem e poder investir ou reinvestir, corresponder às expetativas dos seus habituais clientes que, no caso da Madeira, são muito os viajantes e os turistas.

Depois, penso que esta competitividade está associada uma certa internacionalização e ao conhecimento da região autónoma em todo o mundo, por isso também é importante atrair outro tipo de investimento que possa procurar a Madeira e trazer mais postos de trabalho, mais desenvolvimento e noutros setores para ficar mais complementado este domínio do setor turístico.


Quais seriam os investimentos ideais para uma região como a Madeira?

Hoje, com as questões da revolução digital, as questões ambientais e as transformações decorrente dessas exigências, não restam dúvidas de que uma região como a Madeira teria uma grande vantagem se conseguisse nesses dois domínios atrair investimentos.


A escalada dos preços dos combustíveis e a crescente inflação são dois motivos de alarme?

Os combustíveis são um dos condicionantes que temos agora. Não é eterno e acabará por quebrar daqui a alguns meses, não sei se logo no meio do ano que vem. Mas, temos também a questão da energia e, com o pós-covid, não sabemos quando voltaremos realmente ao percurso normal da atividade económica.

Também temos uma questão que não é, para já, alarmista, mas que é mais uma variável a ter em conta: a inflação. O BCE afirma que a inflação poderá ser localizada e transitória, mas de qualquer modo é mais uma preocupação adicional que condiciona as previsões económicas.


Numa Região onde a maioria das empresas são PME’s, essa variável impõe maior rigor nos próximos exercícios?

Impõe um grande rigor e um grande acompanhamento para estarmos alertados para o que será preciso corrigir nas previsões económicas.

Não é a apenas na Região… No País todo, mais de 90’% das empresas são PME’s. Isto é muito importante mesmo para a tomada de decisões dentro das empresas e condiciona muito a sua produção e os próprios resultados finais das empresas.


A Madeira acabou de organizar mais uma Conferência Anual do Turismo. Que balanço faz?

Esta edição foi efetivamente muito interessante. Ouviram-se várias perspetivas diferentes. Ouvimos quem aposta muito no Turismo e sabe como inovar e aqueles que, trabalhando aqui em várias áreas ligadas ao setor, apresentaram pontos de vista que acham que devem ser vistos e, se possível emendados, por forma a que a Madeira não perca o lugar que tem neste ranking das zonas mais visitadas do Mundo.

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