Verdade da Mentira 
 
[Apesar do título sugerir Arnold Schwarzenegger, qualquer semelhança entre este artigo e o último programa do Gato Fedorento, A Solução, é pura coincidência.]
 
Depois de “entroikado” ter sido a palavra do ano de 2012, eis que “pós-troika” está nas candidatas a vencedora em 2013. Composta por justaposição, a palavra entrou definitivamente para o vocabulário nacional. Eu conheci-a no fim de Fevereiro deste ano. O Primeiro-Ministro, nas suas intervenções, falava de soluções de médio e longo prazo e eu fui convidada a reflectir sobre se seria tempo de pensar num plano para o período que se sucederá ao fim oficial do programa de ajustamento. Não me pareceu precoce começar a analisar cenários possíveis. 
Uns dias depois, em Março, o Governador do Banco de Portugal veio lançar o que pode ser um deles: um programa cautelar. Carlos Costa defendeu a sua importância, considerando ser "essencial que, para fazer a face a situações contingentes, se disponha de mecanismos de intervenção no mercado primário e secundário da dívida pública que evitem que os investidores se afastem da economia portuguesa". Já em Abril foi a vez do Presidente da República sugerir a todos os partidos, deputados e agentes políticos portugueses o estudo do “pós-troika”, nomeadamente ao nível dos desafios e exigências colocados pelo fim do programa de assistência. E o tema fez parte, inclusivamente, da agenda do Conselho de Estado de Maio.
Julho começa e Gaspar demite-se num dia, Portas no seguinte, dando origem a um «quase-divórcio» de Verão entre os dois partidos do governo. A instabilidade política vivida nesses dias de calor pôs os mercados financeiros “on fire”, causando a rápida subida das taxas de juro da dívida portuguesa. Serenados os ânimos, Agosto conheceu a divulgação de alguns indicadores com uma evolução ligeiramente positiva (muitas vezes, mais ao nível da segunda derivada): seriam tais “sinais de retoma” capazes de convencer a troika? Com o Outono a chegar e, sobretudo, com a elaboração do Orçamento de Estado para 2014 a aproximar-se, o discurso oficial passou a referir o perigo da necessidade de um segundo resgate; principalmente, em caso de chumbo constitucional de algumas das medidas orçamentadas. victoryag
 
No entanto, dois meses volvidos, Maria Luís Albuquerque veio admitir a possibilidade do país regressar ao financiamento do mercado sem qualquer programa auxiliar. É que, por esses dias de Novembro, a Irlanda havia anunciado uma “saída limpa” e Portugal tinha de dizer que também consegue rugir como um tigre celta. Curiosamente, na mesma altura, o Ministro dos Negócios Estrangeiros voltou a mencionar a hipótese de resgate, não lhe atribuindo uma probabilidade, mas chegando a um número, o de 4,5% para limite superior das taxas de juro a 10 anos. Esta semana, foi a vez de Mario Draghi, Presidente do Banco Central Europeu, avisar que não nos livramos de um qualquer programa, não disse foi qual. Da minha parte, o que lhe chamam – cautelar, transitório ou, até mesmo, «vrrnhiec» – é o menos relevante. E parece-me bastante óbvio que, com «saídas limpas» ou «saídas sujas», com ou sem troika por cá, a vida depois de Maio de 2014 não será fácil. Continuaremos a ter uma dívida pública superior ao valor do que produzimos e 
o Estado não será o único agente económico nacional sobreendividado; continuaremos a ter elevados níveis de desemprego; continuaremos a ter uma administração pública a precisar de ser reorganizada e um problema orçamental; continuaremos a necessitar de aumentar a competitividade e de fazer as reformas estruturais que o permitam; continuaremos na dependência dos credores. Portanto, a expiração do programa de ajustamento não é nenhum novo Primeiro de Dezembro, nem nós fomos invadidos, convém salientar. Ao que parece, será um Primeiro de Abril, já que é para essa data que se ultima, num encontro do Eurogrupo, a discussão sobre a saída de Portugal da condição de resgatado. Que não seja mentira!
 
Nota: Vera Gouveia Barros escreve de acordo com a ortografia anterior ao acordo de 1990.