Agora que as ruas exibem as suas iluminações natalícias, já se pode eleger o facto económico de 2010. E acabo de imediato com o suspense: é a crise. Não, não se trata de um regresso às vitórias. Esta não é a mesma crise que ganhou a eleição de 2008.
 
A crise do subprime teve um carácter internacional e eminentemente financeiro (não obstante os efeitos que também se fizeram sentir na economia real). A vencedora deste ano é um produto made in Portugal e com causas estruturais. Obviamente, a primeira não será alheia à segunda. Os mercados financeiros vivem dias agitados; mas não nos iludamos, eles não são os vilões desta história.
 
Não foram os mercados financeiros que decidiram aumentos de despesa pública numa altura de crescimento económico, lançando o país numa lógica de políticas pró-cíclicas. Lógica perversa que nos obrigou – e continua a obrigar! – a “apertar o cinto” em época de crise, quando se esperava, precisamente, uma política orçamental expansionista que suavizasse o ciclo. Em vez disso, tivemos uma sucessão de PEC’s: planos de estabilidade e crescimento que, com a natural queda lusa para a graçola, ganharam o epíteto de planos de extermínio dos contribuintes.
  
 Não foram os mercados financeiros que levaram os portugueses – singulares ou colectivos, públicos ou privados – a gastarem o que não tinham e a endividarem-se. A expressão máxima da pobreza é “não ter onde cair morto”. Quando as taxas de juro baixaram drasticamente por conta do esforço de adesão à moeda única, os portugueses puderam comprar casa própria. E, depois, compraram electrodomésticos e mobílias para essas casas. E, depois, porque se fartavam de estar sempre em casa, foram de férias para lugares distantes e exóticos. E compraram carros. As empresas fizeram o mesmo. Assim como o Estado. Tudo com o belo dinheiro alheio barato que a Europa propiciava.
  
 Não foram os mercados financeiros que operaram as sucessivas reformas da educação, da justiça, da administração pública e do mais que fosse reformável. Reformas que não se traduziram num aumento substancial da produtividade, nem nos fizeram subir no ranking da competitividade. Aliás, o PIB potencial português tem crescido muito timidamente, o que prova que a situação actual não resulta de uma conjuntura difícil aliada às conspirações de um bando de malfeitores que quer derrubar o euro.
 
Os problemas da economia portuguesa são, pois, estruturais: baixa produtividade, fraca competitividade, inexistente crescimento económico e grande endividamento. Nenhum deles é imputável aos mercados financeiros. Nem é o azar do P de Portugal se juntar bem com as iniciais de Ireland, Greece e Spain para formar a palavra PIGS ou, numa versão mais moderna, que inclui Italy, GIPSI. A democracia portuguesa já fez 36 anos, é maior de idade, portanto, está na altura de se comportar como gente crescida e assumir as suas responsabilidades. De todos nós as assumirmos.
 
Estamos no Natal, época de alegria e regozijo. Os últimos parágrafos parecem querer acabar com ela. Longe de mim fomentar o consumo de anti-depressivos (até porque é preciso reduzir a despesa do Serviço Nacional de Saúde)! Mas não creio que a análise feita enferme de pessimismo. Escaparmos a este ciclo vicioso vai exigir sacrifícios, vai exigir que mudemos de vida. E essa mudança deve começar pela nossa atitude face ao período que atravessamos. Os lamentos, por muito justificados e legítimos, não são a resposta. A solução passa por termos um sistema de ensino que prepare e qualifique a nossa população, oferecendo formação a vários níveis, mas sempre pautando-se pelos mais elevados critérios de exigência e rigor. Por nos tornarmos parcimoniosos na gestão da coisa pública, eliminando os desperdícios e incentivando a eficiência. Por termos uma justiça que mereça esse nome.
  
Há uns tempos atrás, perguntaram-me em quem é que, nestas circunstâncias, podemos confiar para nos tirar da crise. Hoje dou a mesma resposta que então: em cada um de nós.
 
Vera Gouveia Barros