Este ano, a Delegação Regional da Madeira elegeu como Facto Económico do Ano “A aprovação do Quadro Financeiro Plurianual 2014-2020”. Vera Barros, um dos elementos do Secretariado Regional fez a respectiva análise.
 
Com 2013 a chegar ao fim é altura de escolher aquele que, na minha opinião, foi o facto económico mais marcante do ano. E a selecção afigura-se complicada. Os últimos doze meses foram ricos em acontecimentos potencialmente vencedores do título. 
 
Internamente, verificou-se a primeira – em dois anos – emissão de dívida de longo prazo (a 5 anos), naquele que foi considerado um regresso aos mercados. O Tribunal Constitucional tirou a lei fundamental do país da suspensão a que a havia remetido e declarou inconstitucionais quatro artigos do Orçamento de Estado. Com a chegada do calor do Verão, houve um Ministro das Finanças que se demitiu e um Ministro dos Negócios Estrangeiros que o fez irrevogavelmente (pelo menos, do Ministério onde estava); o Primeiro-Ministro não aceitou a demissão deste último e, por entre os apelos do Presidente da República à salvação nacional, o governo passava a ter um Vice-Primeiro-Ministro e Maria Luís Albuquerque na pasta das Finanças. Esta última, protagonista de um dos casos do ano, o dos swaps; aquele, responsável por um guião para a reforma do Estado, que se revelou pouco mais que um conjunto de banalidades e lugares-comuns. 
 
No plano internacional, Chipre veio juntar-se ao clube de países resgatados pela troika, enquanto a Irlanda renegociou a sua dívida. Sem surpresa, Merkel venceu as tão ansiadas eleições alemãs, embora mudando de coligação. Já em Itália, a ida às urnas determinou um resultado que deixou o país num impasse. Num impasse esteve também o quadro orçamental europeu para 2014-2020, o primeiro da era da austeridade, que conseguiu reunir acordo estava Junho a terminar. E se é de Europa que se fala, não se omita o anúncio de Cameron de um referendo sobre a manutenção do Reino Unido na União Europeia. Já Obama veio propor a criação de uma zona de comércio livre entre os dois blocos económicos nas margens do Atlântico Norte. 
 
Tantas opções, às quais nem falta a renúncia de um Papa! Qualquer um deles podia ser eleito o facto económico do ano. No entanto, havia que seleccionar apenas um e a minha escolha recaiu sobre a aprovação do Quadro Financeiro Plurianual para 2014-2020, em finais de Novembro, após meses e meses de complexas negociações (como já é habitual nestas lides). Dos acontecimentos elencados, este seria, porventura, um dos candidatos menos óbvios. Não terá sido, certamente, o que mais encheu telejornais e motivou programas de debate; mas espero com os próximos parágrafos justificar a justeza da nomeação.
 
Está em causa um envelope financeiro de 960 mil milhões e de 908 mil milhões de euros para as dotações de autorização e de pagamento, respectivamente, o que significa um corte de 3,5% no limite das despesas. Sob a pressão dos países contribuintes, com o suspeito do costume, o Reino Unido, à cabeça, o orçamento comunitário tem vindo a mirrar, não obstante respeitar a cada vez mais competências e mais países.
 
Política de Coesão e Política Agrícola Comum (PAC) continuarão a ter a grande fatia do bolo, uma fatia superior a 70%. Só esta última representa 38% do quadro financeiro da União, estando mais de três quartos dos fundos destinados aos pagamentos directos e organização do mercado, o que pouco deixa para o segundo pilar, o do desenvolvimento rural. Em termos de Coesão, haverá 70 mil milhões de euros para a criação de emprego, disponibilizados através do Fundo Social Europeu e do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, com uma atenção especial – uma de 6000 milhões – ao emprego jovem.
 
A Portugal cabem quase 20 mil milhões de euros no âmbito da Política de Coesão e pouco mais de 8 mil para a PAC, num total de cerca de 27,8 mil milhões, que traduzem uma redução de aproximadamente 10% face às transferências previstas no actual quadro. Ainda assim, deverão ser, a curto prazo, o principal recurso votado ao investimento público, já que a política orçamental tem como preocupação única a redução do défice. Pelo que este quadro financeiro se assume de particular importância. E se todas as ocasiões são más para desperdiçar dinheiro, a actual desaconselha-o com especial veemência. Portanto, além da boa aplicação dos fundos que estão garantidos, há que procurar captar parte das verbas disponibilizadas através dos programas geridos centralmente pela Comissão. É o caso do novo Erasmus +, que irá receber quase 15 mil milhões de euros destinados a apoios para estudar, trabalhar ou fazer formação ou voluntariado no estrangeiro. Cinema, televisão, música, literatura e artes do espectáculo vão ter disponíveis 1,5 mil milhões de euros através do programa Europa Criativa; e a investigação e inovação perto de 80 mil milhões via Horizonte 2020. Para as pequenas e médias empresas haverá um programa específico, o Cosme, com mais de 33 mil milhões de euros dirigidos à promoção da competitividade e estímulo simultâneo do crescimento e do emprego. Isto só para citar alguns exemplos. 
 
Com estes valores espero ter-se tornado já evidente a pertinência do vencedor. Mas há mais argumentos a favor da minha escolha. Tenho advogado que a crise que vivemos se inscreve a vários níveis. Um deles é o europeu. Embora partidária do projecto de construção europeia, não hesito em afirmar que alguns passos foram dados em estilo “fuga para a frente” e com um comprimento “maior que a perna”, em função dos compromissos possíveis. A adopção de uma moeda única sem um orçamento comunitário com funções redistributivas – que é um dos critérios de optimalidade de uma zona monetária – ilustra-o. E este Quadro Financeiro Plurianual não veio resolver, nem sequer atenuar, o problema. É certo que do acordo político resultaram algumas vitórias: a flexibilidade na gestão das verbas não utilizadas num exercício, que passam a ser transferidas para o ano seguinte, em vez de regressarem aos Estados-membros; a revisão intercalar, após as eleições do Parlamento Europeu, para adaptar e reavaliar as prioridades políticas da União, permitindo a adaptação às necessidades, mas sem prejudicar os envelopes nacionais já aprovados; a coincidência dos ciclos políticos e orçamentais; e, sobretudo, a promessa de uma reforma do sistema de recursos, cujo efeito sobre os contribuintes seja neutro. Contudo, para já, cerca de 85% das receitas do orçamento continuam a ser provenientes dos orçamentos nacionais, o que coloca em oposição membros beneficiários e contribuintes líquidos. A ausência de verdadeiros recursos próprios determina que o orçamento comunitário seja essencialmente um de investimento, que equivale a apenas a 1% do PIB da região e em que 6% das despesas respeitam ao funcionamento das instituições. O que o limita enquanto verdadeiro instrumento de coesão económica, social e territorial e meio para estimular a economia.
 
"Moderno e orientado para o futuro”: foi assim que descreveu Durão Barroso este orçamento, considerando-o capaz de “fazer uma diferença real na vida das pessoas". Segundo o Presidente da Comissão, "há financiamento para fazermos o caminho de saída da crise, apoio financeiro para aqueles abaixo da linha de pobreza ou à procura de emprego, oportunidades de investimento para pequenas empresas e assistência para comunidades locais, agricultores, investigadores e estudantes”. E acrescenta que "a Europa é parte da solução". Eu faço votos de que seja, sim. Por enquanto, este Quadro Financeiro Plurianual é apenas o facto económico do ano. Era bom vê-lo como candidato ao da década.
 
Vera Gouveia Barros
 
Nota: Vera Gouveia Barros escreve com a ortografia anterior ao acordo de 1990.